quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O som de tambores distantes

Os dias frios eram, para ele, reconfortantes. Quando chovia, o vidro da janela de madeira ficava embaçado e gotas de água deixavam caminhos translúcidos por onde escorriam, formando nele uma série de cicatrizes de padrão aleatório. O vento fazia o teto ranger suavemente ao seu sabor, e das extremidades do telhado a água da chuva jorrava formando uma cortina transparente. Lá fora uma série de poças se formava e pássaros cantavam timidamente. O barulho da chuva a assobiar baixinho aquela melodia triste preenchia a casa, e aquele barulho podia ser acrescido com o ranger das vigas de madeira sob seus pés caso ele se deslocasse por ali. Havia também o som da lareira a crepitar timidamente, como se não se atrevesse a desafiar o som da chuva. O fogo queimava de modo suave, lançando feitiços e desejos no ar. Preso a uma haste de ferro sobre a lareira pendia um bule, a se balançar de maneira quase imperceptível. Os lençóis que cobriam a cama lançavam no ar uma fragrância fria que se escondia por trás do cheiro da chuva e da grama molhada. Nas mãos dele, sentado no sofá defronte a janela, descansava uma xícara fumegante de café, aninhada entre as duas mãos e pernas. Ela deixava pairando no ar uma baforada suave de fumaça que rapidamente desaparecia. Com um olhar perdido, ele encarava a janela, e há muito o que possa se dizer sobre um olhar perdido. Um olhar perdido não necessariamente tem olhos que vagueiam, sem direção. Como os dele, os olhos podem se fixar em um ponto qualquer e ali se perderem. Não se sabe exatamente se ele encarava a janela e se limitava ao vidro embaçado ou se seu olhar se lançava entre os rastros translúcidos deixados pelas gotas e vislumbravam além da cortina transparente que fazia a água ao escorrer do telhado. E sob o som desafinado desse conjunto de coisas, no horizonte distante raios chicoteavam a terra e rasgavam o ar. A luz dos relâmpagos preenchia todas as fendas da casa, ofuscando a janela e espremendo-se por cada brecha entre as vigas de madeira que formavam as paredes. Depois de alguns segundos depois da luz, ele contava vagarosamente em sua mente, o ribombar dos trovões era como o som de tambores distantes que se aproximavam numa cadência crescente. Era como uma avalanche de pedras a rolar montanha abaixo. Alguns se encolheriam sob seus cobertores e tampariam os ouvidos, lançariam olhares amedrontados para as janelas e rezariam para que a tempestade passasse. Mas não o homem do olhar perdido. Ele se limitaria a ficar ali, sentado, contando os espaços entre luzes e sons, deixando seu café esfriar lentamente, admirando a baforada suave de fumaça rodopiar, dobrar-se sobre si mesma e desaparecer, risonha. Seu transe permaneceria, enquanto o som de tambores distantes o enchesse de poesia.

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