terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O porto seguro e o mar revolto

Dizem por aí que ela quis tornar o porto seguro um lugar feliz, mas ninguém sabe se ela gostava mesmo dele. O mar revolto ainda chamava, beijava seus ouvidos com os sons das ondas rodopiantes a quebrar na areia da praia, e toda aquela música era um convite tentador. E sabia-se: ela amava o mar revolto. Ela queria, no fundo, sim, precipitar-se de vez nas águas e perder-se naquele mar escuro e na luz da lua, cheia de segredos e histórias profundas de paraísos perdidos, tesouros brilhantes e campos verdejantes. As ondas se embolavam num ritmo aleatório, dentro do seus olhos escuros e na areia da praia. Num compasso obscuro espumavam ao quebrar e rolavam, sibilando, tentando alcançar os pés dela, presos na areia úmida. Elas queriam abraçá-la e trazê-la para as profundezas. A lua e o porto e o mar desenhavam-se em seus olhos escuros. Os cabelos desgrenhados esvoaçavam ao vento, emoldurando seu rosto de fada. Ali ela era só silêncio e dúvida. Pesar e dor. Um sorriso partido, um olhar perdido, uma lembrança desfeita feita fumaça e vapor. Solidão e vazio. A natureza do seu verso dócil contrastava com o perverso comportamento do mar. Ela parecia entoar baixinho uma canção de ninar, mas o mar regia uma orquestra barulhenta. O mar gritava e se debatia. Era um turbilhão espumante, um maremoto violento que tentava tragar o mundo para si. Cheirava a ferro e sangue, a fogo e aço. Cheirava a sal e dor, ódio e rancor. Gritava e se debatia. O ribombar das ondas era como tambores e o vento contra o mar como trombones. O sibilar das ondas na areia eram cordas que se partiam e lâminas que rasgavam a carne. Existem coisas que não devem ser ditas, coisas que não devem ser feitas, coisas que não são para acontecer. E como tudo que não deve ser, não o é, ali ficaram naquela dança, de modo perene, interminável. Ela, o mar, a lua, o porto. O porto jazeria esquecido algum dia, mas estaria ali o tempo inteiro enquanto aquela dança durasse. Só que seus pilares cheios de musgo e sua aura conflituosa não mais a apeteciam. E ainda sim era difícil para ela entrar no mar. Temia o frio, temia se afogar, temia perder-se e no meio da perdição temia não se encontrar. Logo o dia passaria, e como o tempo urge o leitor deve saber logo do destino dos outros três: a lua sumiria, a maré traria o mar pra longe dos pés dela, e ela adormeceria na areia, seu corpo aninhado sobre si mesmo, nua. Silêncio e dúvida. Pesar e dor. Um sorriso partido, um olhar perdido, uma lembrança desfeita feita fumaça e vapor. Solidão e vazio.

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