domingo, 11 de janeiro de 2015

Onde as coisas começam e terminam

Sentado em frente a janela, admirava a paisagem. Com serena determinação mirava o sol poente no horizonte. Via o domingo se esvair, as mãos cruzadas sobre a mesa, olhando pela fresta dos dedos entrelaçados. Respirou fundo e separou as mãos. Mirou as palmas: não tremia, não chorava. Olhou a nesga de céu azul que restava e suspirou. Evocou um punhado de memórias e as queimou feito incenso, pra sentir o cheiro da saudade. Uma vez queimadas, as coisas não retornam a vida, ou era o que lhe haviam dito. Com uma outra parte das memórias fez um chá e o provou. Tinha um gosto amargo, quase intragável. O vinho lhe cabia melhor. Mas também já fazia tempo que sua vida não era doce e seu amor era vão, então aquilo realmente não importava. Deixou a caneca de lado e olhou a janela de novo. Entrelaçou os dedos e rangeu os dentes. Somado a tristeza típica do domingo, havia raiva também. Havia dor, mas pelo menos a ciência de que não havia dor maior do que a dor humana lhe confortava: era forte, afinal das contas. A luz do sol foi indo embora, e aos poucos a luz alaranjada da rua foi surgindo, e com ela as luzes das casas e prédios, como se uma luz no horizonte assinalasse a um comodo qualquer em outro ponto da cidade que era a hora de abrir os olhos, e magicamente a cidade se iluminava. Enfim, as luzes das casas, prédios e ruas foram se acendendo, como se roubassem a luz que vinha do céu. Seu pensamento vagueou por um conjunto de memórias, algumas que lhe restavam ali. Não verteu uma lágrima, afinal de contas. Suas fatídicas rotinas e estradas percorridas lhe asseguraram com um sibilar rodopiante no vento: "mantenha um estado transitório entre a partida e a chegada; economize em desfechos e introduções; viva rápido, mas não envelheça - conserva o espírito jovem e invencível, porque essa coisa de sagacidade pode ser uma estrada pra amargura; continua vivendo a tua poesia e procurando gente profunda pra se ancorar sem medo; releva a tua percepção do tempo, pra que o tempo pare e você continue jovem, se é isso que te angustia; e guarda com ternura as suas memórias, porque nem sempre se pode viver na ebriedade do futuro ou na amargura do presente". Coçou a barba, estalou a língua e apagou a luz. 

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