Parei um minuto pra ouvir o som das coisas silenciosas e rever o que estava escondido na escuridão. Não achei nada. Revirei um baú velho e estava tudo empoeirado, usado demais. Não havia nada com o que me segurar ao passado. Abateu-se sobre mim grande solidão. E que te livrem, caro leitor, dessa masturbação mental pela qual passei. É triste, depois de tudo, concluir que a lucidez realmente só nos visita depois da loucura. E, cacete, como é difícil pensar que é fácil viver de poesia e se dar conta de que nada disso é possível. Ela pode encantar, eu sei, mas seu preenchimento é tão vão quanto as palavras. É preciso poder apalpar a felicidade pra não se cair no vazio da ausência de perspectiva. E, porra, já me visita esse buraco de novo. É como um tiro no peito. Afinal, tinha que ter um lugar de onde sair tanta poesia. Há essa música na minha cabeça, de novo. Um verme do ouvido a me atormentar. Há uma voz tentando me dizer o que fazer, dizendo pra eu entender que tudo isso é vão como o tempo. Eu queria me desfazer com a chuva. Voar num foguete pra lua. Queria, de novo, ir embora daqui e recomeçar. Sei que isso pode ser só um texto meio ébrio, mas pelo menos o mundo parece ser mais real daqui. E de superficialidade eu já cansei. Até quem eu pensava ser profundo se escondeu sobre uma faixa e foi embora daqui. Porque são poucas as pessoas que falam sobre as coisas profundas, e vivem elas do jeito que elas devem ser vividas. É mais fácil se esconder sobre o véu das ilusões, desses sorrisos falsos e fotos bonitas. Sou de novo um bebê acorrentando num saco jogado na correnteza do rio. Meu autorretrato é de fato bêbado e confuso, como eu pensava. Mas eu justifico isso com prazer. Embriaga-te você também, caro leitor, e vê se o mundo embaçado e tropego não tem mais graça. Não seja um fraco de espirito. Tenha coragem. Ofusca a razão, porque eu sei que qualquer boa razão vai se opor a essa ideia maluca. E se ainda sim seus pés pestanejarem a abraçar a embriaguez, responde-me: qual o destino dos sóbrios? Qual o destino dos seres racionais e realistas, que senão a depressão? Qual o destino daquele que vive a vida sem se embriagar que senão a amargura de se dar conta da vulgaridade das coisas? Eu prefiro realmente estar bêbado e não entender nada à ter que refletir sobre essa miríade de possibilidades que aparecem quando estou sóbrio. Essa masturbação mental de nada me serve. Nela não há poesia, não há rima, não há beleza, não há música, não há verso. Só há saudade e perda. E não que eu ache que essas coisas são dispensáveis, mas quem vive só de saudade e perda está além dos limites da poesia e se encontra com a morte. É dor demais. E como dizem os sábios, não existe dor maior do que a dor humana. Então, como diz Baudelaire: embriaga-te. Abre mão dessa masturbação mental que é o pensar e entrega-te de uma vez ao vício. É melhor isso do que se entregar a morte, atirando-se ao canal, ou deixando-se levar pelo fantasma da loucura. "Embriaga-te! Para não ser como os escravos martirizados do tempo, embriaga-te sem cessar! De vinho, poesia ou virtude, a teu gosto!".
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