domingo, 14 de dezembro de 2014

Diálogo

Naquela esquina havia um certo vendedor, que vivia de vender artigos curiosos. Alguns diziam que ele vendia sonhos, outros, ilusão. Pouco se sabia sobre ele, mas era conhecido e prosperava. Certo dia uma bela moça chegou perto de seu tabuleiro, e ele rapidamente pôs-se a vender seus produtos. Esperto que era, notou na moça certa aflição, e do fundo da tenda retirou do seu baú secreto seus produtos mais valiosos. "Tenho uma garrafa de sorrisos, uma baú com a felicidade, uma caixinha com amor e esta moedinha mágica" disse, correndo a moeda por entre os nós dos dedos, "que você pode jogar no poço e fazer um pedido". A moça sorriu e perguntou "Seriam pedidos silenciosos?". E seu sorriso foi tão bonito que o coração do vendedor amoleceu. Havia algo diferente nela. Poderia ser o sorriso, os olhos profundos, a silhueta graciosa. Algo mexeu com ele, e acabou dizendo, meio bobo: "São sim, a gosto da freguesa". A moça sorriu de novo, e seu riso era mesmo bonito: quem passava parava e sorria também. "Quero a moedinha!" disse, parecendo mais feliz."É uma boa escolha", respondeu o vendedor, encantado. "Você pode pegar todos, se quiser", apressou-se a dizer "Sou barateiro: você pode pagar com sorrisos", acrescentou, sem jeito, e, por fim, se desmanchou: "Posso te dar o meu coração numa bandeja também. Ele vai até de graça, mas se você me der o seu ficarei agradecido. E será um excelente negócio, que te parece?". A moça sorriu, de novo, sem se assustar e de novo o vendedor sorriu, aliviado. Era como se soubessem da iminência daquele episódio. Ela perguntou: "Essa negociação é pra hoje?", e entristeceu levemente: "Porque algumas coisas não me parecem viáveis". "Aqui é a freguesa que manda", disse prontamente o vendedor, só pra arrancar mais um sorriso dela (e conseguiu). "Posso ir te pagando com os sorrisos então", ela disse. "Negócio fechado, freguesa", respondeu ele, em troca. "Sorrisos pela moeda mágica!", disse a moça, subitamente. "Sim, freguesa, mas negócios são negócios, você tem que pagar" e ela sorriu de novo, pagando. O vendedor sorriu também, mais uma vez. "Os outros três itens são pra depois?", perguntou "Quatro, aliás" corrigiu, dando ênfase ao coração na bandeja, "E por sorrisos, que pechincha!". A moça parou subitamente, séria, escondendo o sorriso de uma maneira brincalhona, seu cabelo lhe caiu sobre o rosto e num gesto gracioso ela o arrumou, dizendo: "Está desfazendo dos sorrisos da freguesa?". Seu corpo esguio pendeu pro lado, e o vendedor acompanhou o movimento, para o outro lado, como numa dança. Dessa vez ele quem sorriu: "Perdão freguesa, expressei-me mal. É que sou um homem dos negócios, essa coisa de atuação nunca deu certo pra mim. Quis dizer que os meus itens são valiosos, acho que faria bom uso deles. Quer que eu embale a moeda pra viagem?". Ela riu das palavras do vendedor, e do modo como elas foram ditas de modo desajeitado, porém com profunda sinceridade. Havia nele um desejo maior do que simplesmente vender as coisas. Ele queria vender pra ela, e ela sabia disso. E queria comprar tudo. "Entendi", respondeu. "Não precisa embalar não. Prefiro tê-la agora". O vendedor estendeu a moeda e deixou-a cair na mão da moça. Sua mão pousou sobre as dela e seus olhares se encontraram. "Faça bom uso", disse ele. Desviou o olhar sem jeito, mas não resistiu e olhou pra ela de novo "E a freguesa quer dizer porque não quer a garrafa de sorrisos, o baú com a felicidade e a caixinha com o amor?" indagou, sem jeito, deixando o coração de lado: naquele momento teve medo. "Acho que você devia pegá-los, desculpe a invasão", disse com a voz mansa, que diminuía aos poucos. "Eu quero!", respondeu ela rapidamente, como se com o mesmo medo que ele tinha, como se para animá-lo de novo. "Mas eu queria pegar aos poucos: tenho medo de não tê-los mais tarde, de esgotá-los". "Pode pegar todos de uma vez, se for a vontade de freguesa" apressou-se a dizer o vendedor. "Garanto que sempre vai chegar coisa nova. E pra fazer propaganda do produto: o baú da felicidade e caixinha com amor são tão fundos que eu nem conheço o fim deles. Até digo pra você tomar cuidado pra não se perder por ali. E veja que coisa bonita, nunca ninguém os teve, serão exclusivos seus. Que te parece?". A moça sorriu, e havia leveza no ar "Você está me convencendo", disse. "Sou bom nisso. É assim que se sobrevive aos negócios", gabou-se o vendedor. "Posso te dizer mais tarde?", perguntou a moça. "Pode sim, freguesa. Minha vontade é de vendê-los logo, mas posso guardá-los pra você. Ficarei feliz em saber que esses itens tão preciosos tem um comprador. E não esquece do coração na bandeja também", arriscou ele, sem resistir "Se você quiser pode até pagar depois", continuou, meio desesperado. "Mas é meio triste isso de coração na bandeja, não acha?" indagou a moça, pra surpresa do vendedor. Ele sorriu e disse: "Ora freguesa, não desfaça do produto. Ele tá aí de bom grado, e é bem difícil por ele aí, na verdade. A freguesa é meio insegura, não é? Moça tão bonita, não deveria ser assim". Os olhares se encontraram de novo, e ela sorriu. "Eu mal consigo olhar tanto pra esses olhos tão profundos", disse ele. Ela desviou o olhar e contemplou o vazio por alguns instantes "É, mas eles estão caídos e trêmulos agora", disse, sem jeito. "A freguesa tem sono, ou choras? É tristeza que ainda a aflige?", indagou o vendedor, preocupado. "Se eventualmente eu fizer cair lágrimas de felicidade aí posso até largar os negócios: viro viajante. Posso te levar pra um tal paraíso perdido, você teria um lugar garantido no meu bote". A moça sorriu, endireitou-se, balançou sobre as pernas - e ele também, em sincronia - e ela disse: "Tenho um pouco de medo". "Ora, a freguesa pode ficar tranquila. Primeiro nada que ela não faça de coração aberto será cobrado. E segundo: é uma terra cheia de cores e tons". Ela sorriu, aparentemente amolecida, e do seu riso bobo perguntou em tom de brincadeira. : "Tem pássaros lá?". O vendedor sorriu e perguntou: "A freguesa gosta de pássaros? Tem o que ela quiser lá. Acontece até d'eu ter uma amostra dessa terra por aqui", disse revirando o tabuleiro. Achou um pequeno conta gotas e estendeu a moça: "Basta uma gotinha na água que você beber, e você sonhará com este paraíso perdido". A moça aceitou instantaneamente, sorrindo. "Vou precisar", e riu. "Espero que a terra te encante, freguesa. Basta ser sincera e desejar profundo. Espero que você venha logo comprar essas coisas de mim".
Ela sorriu e olhou pra ele. Ele sorriu e olhou pra ela.

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