segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O som das coisas

Ele olhou a janela, com raiva.
Uma banda descompassada tocava uma melodia triste e um casal de mascarados dançava de maneira displicente na calçada, perto do rio que cortava a cidade.
A música atrapalhava seu silêncio. E com o silêncio comprometido, não tinha paz.
Lançou um olhar enraivado para os músicos, na esperança de que um deles o dirigisse o olhar e se sentisse constrangido. Mas nada aconteceu: eles continuaram a tocar daquela maneira displicente, e o casal de mascarados continuou a dançar ao ritmo descompassado da música. Ainda que a melodia estivesse tão mal feita, eles dançavam de uma maneira bela. Eram, de certa forma, forçados a isso. Ou talvez fosse natural, como as vezes em que o convívio com o errado se enraíza no comportamento humano e o força a aceitar as circunstâncias.
Tendo avaliado como inútil o esforço para fazer valer a sua vontade, deixou-se olhar a cidade da janela.
O sol se punha no horizonte, banhando-a com uma luz alaranjada, e aos poucos o movimento nas ruas morria.  O som das coisas diminuía, mas nunca cessava, ele sabia. As árvores farfalhavam, acompanhando o ritmo da brisa fria que fazia com que as pessoas se encolhessem em seus agasalhos, esfregando os braços para obter algum calor. Das pessoas ouvia-se uma bateria de passos sem um ritmo definido, cujo som se propagava em todas as direções porque as pessoas se moviam em todas as direções. As ruas vibravam e as casas ressonavam baixinho, de maneira quase imperceptível.
Um som englobava o outro de maneira sequenciada, uma atrás do outro, e se a percepção fosse alterada uma nova cadência poderia ser obtida tão facilmente quanto fixar os olhos no horizonte rosado, por conta do sol poente. Havia um som no clima daquela tarde fria. Havia outro som na brisa que soprava. No chão, nas paredes das casas e nos prédios. No zunido dos carros, que cortavam as ruas de maneira tão violenta. No andar das pessoas e nos sonhos que elas deixaram ao acordar. Havia som até mesmo nos pensamentos, no rio que corria oleoso em direção ao mar e nos pássaros que desciam sobre ele para bebericar a água.
E nenhum destes sons seguia uma lógica ou um ritmo. Todos eles eram jogados ao vento de uma maneira displicente. E as pessoas dançavam a seu modo aquela melodia, como o casal de mascarados perto do rio. Silêncio? Ninguém nunca ouviu o silêncio.  O mundo é feito de barulho.
Notas, harmônicos, tons, melodias, sons, ritmos. A vida é uma música fora de compasso. É essa música que move as coisas e do movimento das coisas surge mais música.

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