terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A mais bela novela

Desperto-me nas ruas. Vejo pessoas. Muitas. Um mar de gente, todos afogados em uma selva de pedra.
Ando pelas ruas. Vejo mais pessoas. Vejo movimento, gestos, expressões, luzes, cores e tons. Um mar de pequenas histórias ofuscadas pelo passar dos anos, esquecidas como uma pilha de cartas em uma gaveta velha.
Por enquanto só o sol banha as ruas, e numa esquina encontro mais pessoas.
Uma menina estampa no rosto a rebeldia. Uma de suas pernas esguias imóvel, enquanto a outra se mexe freneticamente. Para cima, para baixo, para cima, para baixo. E uma madeixa de seus cabelos longos insiste em cair-lhe sobre os lábios. Com raiva, ela jogava o cabelo para o lado. Mas ele sempre voltava, como o sol voltaria no dia seguinte - eu supunha. Mal sabia ela que o cabelo só voltava porque seu pé continuava a bater no chão insistentemente. Para cima, para baixo, para cima, para baixo. Como o tique-taque de um relógio. Talvez ela quisesse adiantar o tempo, evitar cada segundo vagaroso, fazê-los passar mais rápido a todo custo. A espera de quê, eu me perguntava.
E do movimento dos carros que passavam nas ruas como feixes de luzes coloridas veio a minha mente a ideia de que de uma forma de outra as pessoas só estão gastando o tempo. E o tempo acumulado que todas as pessoas gastavam ali naquelas ruas, naquela manhã - por exemplo - era maior do que a minha própria percepção. 
Sigo em frente, mas minha mente tempestuosa continua a pensar. O movimento, os gestos, as expressões, as luzes, as cores, os tons. O tempo sendo gasto a todo instante. A música. Havia música naquelas ruas. Um burburinho de pequenos sons, somados, multiplicados, exponenciados, integrados, derivados, escondidos em cada pedra, em cada folha, em cada pedaço vivo ou morto das coisas ao meu redor.
Sobre mim, defronte a uma janela, uma senhora admirava a paisagem, projetando-se para fora, seu corpo mole enrijecido pela posição em que estava, debruçada sobre o parapeito. Penso se ela percebe aquilo que percebo, e ela me acompanha, com seus olhos enrugados e uma expressão séria, que se perde no vazio do tempo e do espaço depois de um momento.
Vejo pessoas. Muito mais do que via antes. Um mar de gente, todos afogados em uma selva de pedra.
Vejo movimento, gestos, expressões, luzes, cores e tons. 
Um mar de pequenas histórias.
As mais belas novelas da odisseia humana.

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