Uma folha em branco me remete mil possibilidades.
Um traço, e reduzo as mil possibilidades a apenas algumas.
Construir é limitar, então?
Muitas vezes chove naquela terra de ninguém. Chuva, tempestade, tormenta, raio, trovão. O povo se esconde, dentro das casas de pedra, e se põe a pensar. E como a tempestade nunca termina, o povo nunca para de pensar. E pensa. E os vizinhos daquela terra de ninguém não sabem que os pingos da chuva são idéias, e a terra fértil é a própria consciência.
domingo, 22 de dezembro de 2013
domingo, 15 de dezembro de 2013
Um segundo é um segundo
Paredes cinzentas me separam do mundo externo. Estou preso. Penso, mas não consigo chegar a uma conclusão nítida. Dentro desta cela o mundo está desbotado e borrado. Não vejo, não cheiro, não ouço, não sinto. Nada. Pensamentos involuntários preenchem minha mente. Fazem-me pensar o que não quero pensar. Quebram o equilíbrio. Tento escrever o que sinto, mas sempre volto a folha em branco. Minha percepção está abalada, e ela já não me serve dentro desta cela. Vejo uma janela quadrada a uma altura maior que eu. Sua existência se justifica somente para me frustrar. Tento me esticar para ver o mundo, mas só vejo o borrão cinza a minha volta. Isso não vai a lugar nenhum, eu sei. É inútil. Só posso esperar as paredes caírem. Mas quando vão cair? Não posso esperar a eternidade. Não tenho tempo. O tempo é o senhor das coisas, e ele está correndo. Está correndo mais devagar dentro desta cela. Ah, como eu queria que o tempo passasse dessa maneira tão lenta quando ele inevitavelmente passa mais rápido, em outras situações. Mas eu não sou o senhor do tempo. O tempo é o senhor das coisas e ele quem decide a intensidade com a qual passa. O que eu estou dizendo, afinal? O tempo passa da mesma maneira sempre. Tic, tac, tic, tac. Um segundo é um segundo, e ele não pode ser menor ou maior em qualquer outro lugar. Um segundo são mil milésimos de segundo. Um milésimo de segundo são mil microsegundos, e um microsegundo são mil nanosegundos, e um nanosegundo são mil picosegundos, e um picosegundo são mil femtasegundos. E a medida que passo pensando nisso estou gastando bilhões e bilhões e bilhões de femtasegundos. Oh, mas não posso evitar. Estou nessa prisão, afinal. Como vou me libertar? Vou ter que esperar um bilhão de bilhões de femtasegundos aqui. Até passar. E é por isso que o tempo é o senhor das coisas. Porque, de fato, "não há bem que nunca acabe nem mal que dure para sempre". É só o passar do tempo que cura as coisas. E um segundo é um segundo. Aqui ou em qualquer lugar. Pronto. Já perdi mais bilhões de bilhões de femtasegundos.
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
O som das coisas
Ele olhou a janela, com raiva.
Uma banda descompassada tocava uma melodia triste e um casal de mascarados dançava de maneira displicente na calçada, perto do rio que cortava a cidade.
A música atrapalhava seu silêncio. E com o silêncio comprometido, não tinha paz.
Lançou um olhar enraivado para os músicos, na esperança de que um deles o dirigisse o olhar e se sentisse constrangido. Mas nada aconteceu: eles continuaram a tocar daquela maneira displicente, e o casal de mascarados continuou a dançar ao ritmo descompassado da música. Ainda que a melodia estivesse tão mal feita, eles dançavam de uma maneira bela. Eram, de certa forma, forçados a isso. Ou talvez fosse natural, como as vezes em que o convívio com o errado se enraíza no comportamento humano e o força a aceitar as circunstâncias.
Tendo avaliado como inútil o esforço para fazer valer a sua vontade, deixou-se olhar a cidade da janela.
O sol se punha no horizonte, banhando-a com uma luz alaranjada, e aos poucos o movimento nas ruas morria. O som das coisas diminuía, mas nunca cessava, ele sabia. As árvores farfalhavam, acompanhando o ritmo da brisa fria que fazia com que as pessoas se encolhessem em seus agasalhos, esfregando os braços para obter algum calor. Das pessoas ouvia-se uma bateria de passos sem um ritmo definido, cujo som se propagava em todas as direções porque as pessoas se moviam em todas as direções. As ruas vibravam e as casas ressonavam baixinho, de maneira quase imperceptível.
Um som englobava o outro de maneira sequenciada, uma atrás do outro, e se a percepção fosse alterada uma nova cadência poderia ser obtida tão facilmente quanto fixar os olhos no horizonte rosado, por conta do sol poente. Havia um som no clima daquela tarde fria. Havia outro som na brisa que soprava. No chão, nas paredes das casas e nos prédios. No zunido dos carros, que cortavam as ruas de maneira tão violenta. No andar das pessoas e nos sonhos que elas deixaram ao acordar. Havia som até mesmo nos pensamentos, no rio que corria oleoso em direção ao mar e nos pássaros que desciam sobre ele para bebericar a água.
E nenhum destes sons seguia uma lógica ou um ritmo. Todos eles eram jogados ao vento de uma maneira displicente. E as pessoas dançavam a seu modo aquela melodia, como o casal de mascarados perto do rio. Silêncio? Ninguém nunca ouviu o silêncio. O mundo é feito de barulho.
Notas, harmônicos, tons, melodias, sons, ritmos. A vida é uma música fora de compasso. É essa música que move as coisas e do movimento das coisas surge mais música.
Uma banda descompassada tocava uma melodia triste e um casal de mascarados dançava de maneira displicente na calçada, perto do rio que cortava a cidade.
A música atrapalhava seu silêncio. E com o silêncio comprometido, não tinha paz.
Lançou um olhar enraivado para os músicos, na esperança de que um deles o dirigisse o olhar e se sentisse constrangido. Mas nada aconteceu: eles continuaram a tocar daquela maneira displicente, e o casal de mascarados continuou a dançar ao ritmo descompassado da música. Ainda que a melodia estivesse tão mal feita, eles dançavam de uma maneira bela. Eram, de certa forma, forçados a isso. Ou talvez fosse natural, como as vezes em que o convívio com o errado se enraíza no comportamento humano e o força a aceitar as circunstâncias.
Tendo avaliado como inútil o esforço para fazer valer a sua vontade, deixou-se olhar a cidade da janela.
O sol se punha no horizonte, banhando-a com uma luz alaranjada, e aos poucos o movimento nas ruas morria. O som das coisas diminuía, mas nunca cessava, ele sabia. As árvores farfalhavam, acompanhando o ritmo da brisa fria que fazia com que as pessoas se encolhessem em seus agasalhos, esfregando os braços para obter algum calor. Das pessoas ouvia-se uma bateria de passos sem um ritmo definido, cujo som se propagava em todas as direções porque as pessoas se moviam em todas as direções. As ruas vibravam e as casas ressonavam baixinho, de maneira quase imperceptível.
Um som englobava o outro de maneira sequenciada, uma atrás do outro, e se a percepção fosse alterada uma nova cadência poderia ser obtida tão facilmente quanto fixar os olhos no horizonte rosado, por conta do sol poente. Havia um som no clima daquela tarde fria. Havia outro som na brisa que soprava. No chão, nas paredes das casas e nos prédios. No zunido dos carros, que cortavam as ruas de maneira tão violenta. No andar das pessoas e nos sonhos que elas deixaram ao acordar. Havia som até mesmo nos pensamentos, no rio que corria oleoso em direção ao mar e nos pássaros que desciam sobre ele para bebericar a água.
E nenhum destes sons seguia uma lógica ou um ritmo. Todos eles eram jogados ao vento de uma maneira displicente. E as pessoas dançavam a seu modo aquela melodia, como o casal de mascarados perto do rio. Silêncio? Ninguém nunca ouviu o silêncio. O mundo é feito de barulho.
Notas, harmônicos, tons, melodias, sons, ritmos. A vida é uma música fora de compasso. É essa música que move as coisas e do movimento das coisas surge mais música.
terça-feira, 3 de dezembro de 2013
Os cacos do copo
Entre os trincos deste copo
Que reflete o meu retrato
Agora quebrado
Vejo-me entre os cacos
Todas as minhas faces
Meu personagens, minhas mentiras
Tão bem pensadas
Agora afundadas em ira
Foi-se a esperança
Apagada como um cigarro
Os sonhos tido quando criança
já não rendem mais um trago
E minhas vãs filosofias
Que se esvaem inúteis
Já não me servem tanto
Restam-me os pensamentos fúteis
Já não me servem minhas reflexões
Que reflete o meu retrato
Agora quebrado
Vejo-me entre os cacos
Todas as minhas faces
Meu personagens, minhas mentiras
Tão bem pensadas
Agora afundadas em ira
Foi-se a esperança
Apagada como um cigarro
Os sonhos tido quando criança
já não rendem mais um trago
E minhas vãs filosofias
Que se esvaem inúteis
Já não me servem tanto
Restam-me os pensamentos fúteis
Já não me servem minhas reflexões
A mais bela novela
Desperto-me nas ruas. Vejo pessoas. Muitas. Um mar de gente, todos afogados em uma selva de pedra.
Ando pelas ruas. Vejo mais pessoas. Vejo movimento, gestos, expressões, luzes, cores e tons. Um mar de pequenas histórias ofuscadas pelo passar dos anos, esquecidas como uma pilha de cartas em uma gaveta velha.
Por enquanto só o sol banha as ruas, e numa esquina encontro mais pessoas.
Uma menina estampa no rosto a rebeldia. Uma de suas pernas esguias imóvel, enquanto a outra se mexe freneticamente. Para cima, para baixo, para cima, para baixo. E uma madeixa de seus cabelos longos insiste em cair-lhe sobre os lábios. Com raiva, ela jogava o cabelo para o lado. Mas ele sempre voltava, como o sol voltaria no dia seguinte - eu supunha. Mal sabia ela que o cabelo só voltava porque seu pé continuava a bater no chão insistentemente. Para cima, para baixo, para cima, para baixo. Como o tique-taque de um relógio. Talvez ela quisesse adiantar o tempo, evitar cada segundo vagaroso, fazê-los passar mais rápido a todo custo. A espera de quê, eu me perguntava.
E do movimento dos carros que passavam nas ruas como feixes de luzes coloridas veio a minha mente a ideia de que de uma forma de outra as pessoas só estão gastando o tempo. E o tempo acumulado que todas as pessoas gastavam ali naquelas ruas, naquela manhã - por exemplo - era maior do que a minha própria percepção.
Sigo em frente, mas minha mente tempestuosa continua a pensar. O movimento, os gestos, as expressões, as luzes, as cores, os tons. O tempo sendo gasto a todo instante. A música. Havia música naquelas ruas. Um burburinho de pequenos sons, somados, multiplicados, exponenciados, integrados, derivados, escondidos em cada pedra, em cada folha, em cada pedaço vivo ou morto das coisas ao meu redor.
Sobre mim, defronte a uma janela, uma senhora admirava a paisagem, projetando-se para fora, seu corpo mole enrijecido pela posição em que estava, debruçada sobre o parapeito. Penso se ela percebe aquilo que percebo, e ela me acompanha, com seus olhos enrugados e uma expressão séria, que se perde no vazio do tempo e do espaço depois de um momento.
Vejo pessoas. Muito mais do que via antes. Um mar de gente, todos afogados em uma selva de pedra.
Vejo movimento, gestos, expressões, luzes, cores e tons.
Um mar de pequenas histórias.
As mais belas novelas da odisseia humana.
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
Sobre a natureza das coisas
Vejo uma profusão de luzes que mudam conforme o que se passa a minha volta. Gestos, tons, emoções, movimentos. Tudo muda as cores e os padrões. Um grito, e tudo é rasgado em mil pedaços. Um murmurio e as luzes tremem. Um passo, e as luzes se arrastam, rastejando por entre os escombros da minha mente. Me concentro. Tento descobrir a natureza das coisas, as respostas ocultas em algum lugar. Vasculho minhas idéias e...
E as luzes se apagam.
Nada.
Tudo sumiu.
Sumiu assim que tentei evocar as imagens das minhas ideias.
Tento novamente.
Penso sobre estar pensando, e uma janela se abre.
Da janela vejo outra janela, e então outra, e outra, e outra, e mais outra. Paro de pensar. As luzes voltam. Penso sobre parar de pensar, e as luzes se apagam. Interrompo tudo. As luzes voltam.
Alguém fala, e as luzes reagem, se rearrumam misteriosamente, e agora giram conforme a música. O compasso se altera, e as luzes acompanham. Giram, se arrastam, rasgam o fundo negro por trás delas.
Me concentro nas luzes. E elas se apagam. Somem da minha vista, como o acordar de um sonho."Por que? Por que não posso mais vê-las?" Indago. E as luzes não voltam.
Espero. E elas voltam, enfim.
"Porque as coisas são tão confusas?" Penso. E as luzes somem. Como esperado.
E se não forem as coisas, e sim a minha mente?
E se as ideias fossem, na verdade, não a síntese, mas o limite das coisas?
Por que, necessariamente, devemos pensar que podemos definir tudo que está a nossa volta?
As coisas podem ser infinitas e, na incapacidade de vislumbrá-las por inteiro, criamos as idéias. Dessa forma, as idéias seriam não as coisas em si, mas o complemento das coisas. E, nesse caso, ter-se-ia por "complemento" não uma adição, mas uma limitação. As idéias prendem as coisas no mundo tangível, e nada impede que as pessoas vejam as mesmas coisas - que são infinitas - de formas diferentes, mas as tratem pela mesma coisa porque a ideia é a mesma. Para vislumbrar as coisas por inteiro deveríamos, então, abrir mão das idéias e ver as coisas como elas realmente são: infinitas.
E as luzes se apagam.
Nada.
Tudo sumiu.
Sumiu assim que tentei evocar as imagens das minhas ideias.
Tento novamente.
Penso sobre estar pensando, e uma janela se abre.
Da janela vejo outra janela, e então outra, e outra, e outra, e mais outra. Paro de pensar. As luzes voltam. Penso sobre parar de pensar, e as luzes se apagam. Interrompo tudo. As luzes voltam.
Alguém fala, e as luzes reagem, se rearrumam misteriosamente, e agora giram conforme a música. O compasso se altera, e as luzes acompanham. Giram, se arrastam, rasgam o fundo negro por trás delas.
Me concentro nas luzes. E elas se apagam. Somem da minha vista, como o acordar de um sonho."Por que? Por que não posso mais vê-las?" Indago. E as luzes não voltam.
Espero. E elas voltam, enfim.
"Porque as coisas são tão confusas?" Penso. E as luzes somem. Como esperado.
E se não forem as coisas, e sim a minha mente?
E se as ideias fossem, na verdade, não a síntese, mas o limite das coisas?
Por que, necessariamente, devemos pensar que podemos definir tudo que está a nossa volta?
As coisas podem ser infinitas e, na incapacidade de vislumbrá-las por inteiro, criamos as idéias. Dessa forma, as idéias seriam não as coisas em si, mas o complemento das coisas. E, nesse caso, ter-se-ia por "complemento" não uma adição, mas uma limitação. As idéias prendem as coisas no mundo tangível, e nada impede que as pessoas vejam as mesmas coisas - que são infinitas - de formas diferentes, mas as tratem pela mesma coisa porque a ideia é a mesma. Para vislumbrar as coisas por inteiro deveríamos, então, abrir mão das idéias e ver as coisas como elas realmente são: infinitas.
"Se as portas da percepção estivessem abertas, todas as coisas apareceriam aos homens tal como são: infinitas" - William Blake.
Assinar:
Postagens (Atom)